O mês de Outubro já é conhecido mundialmente como um mês marcado por ações afirmativas relacionadas à prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama.
No Brasil, a partir da puberdade, independentemente das condições e da idade, todas as mulheres brasileiras têm direito à mamografia e ao exame preventivo de colo de útero pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, conforme dispõe a Lei Federal nº 11.664/2008, com a redação dada pela Lei Federal nº 14.335/2022.
A mamografia e o exame citopatológico do colo uterino avaliam as condições da saúde reprodutiva da mulher e são importantes para diagnosticar câncer, tanto de mama quanto de colo de útero. Caso a paciente tenha suspeita de câncer de mama, ela tem o direito de fazer esses exames num prazo máximo de até 30 dias. Caso o diagnóstico se confirme, o tratamento deve ser iniciado em, no máximo, 60 dias, conforme a Lei 12.732/2012.
No que diz respeito aos deveres estatais nesse campo, a Constituição da República prevê a saúde como direito social básico de todas as pessoas e dever do Estado, garantindo, dessa forma, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(…)
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Sobre o artigo 196 em questão, José Cretella Jr. ensina que:
“Ao direito não se contrapõe o dever, mas a obrigação. A Carta Política dá por um lado, um direito e, por outro lado, dá ao titular do direito um dever – o dever de exigir do Estado a prestação de saúde” (Comentários à Constituição de 1988, vol. VIII, Forense Universitária, RJ, 1993, p. 433).
Tais dispositivos estão intimamente ligados ao direito à vida, garantido constitucionalmente, e aos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, que traduzem normas de eficácia plena em nosso ordenamento jurídico.
Além disso, a própria Carta Magna em seu art. 198 dispõe sobre os preceitos básicos do SUS – Sistema Único de Saúde, incluindo, entre seus princípios, o da integralidade da assistência. Portanto, é dever do Estado prestar integral assistência à saúde, ou seja, da prevenção até eventual assistência farmacêutica.
Por sua vez, os arts. 6º e 7º da Lei Federal nº 8080, de 1990, dispõem que:
“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I – a execução de ações:
(…)
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
(…)
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(…)
II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
(…)”
E, conforme já mencionado, a Lei Federal nº 11.664/2008 com a redação dada pela Lei Federal nº 14.335/2022 expressamente previu o direito das mulheres aos exames diagnósticos do câncer de mama e do colo do útero visando o tratamento precoce de tais enfermidades. Vejamos:
“Art. 1º As ações de saúde referidas no inciso II do caput do art. 7º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, relativas à prevenção, detecção, tratamento e controle dos cânceres do colo uterino, de mama e colorretal são asseguradas, em todo o território nacional, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
Art. 2o O Sistema Único de Saúde – SUS, por meio dos seus serviços, próprios, conveniados ou contratados, deve assegurar:
I – a assistência integral à saúde da mulher, incluindo amplo trabalho informativo e educativo sobre a prevenção, a detecção, o tratamento e controle, ou seguimento pós-tratamento, das doenças a que se refere o art. 1o desta Lei;
II – a realização dos exames citopatológicos do colo uterino, mamográficos e de colonoscopia a todas as mulheres que já tenham atingido a puberdade, independentemente da idade; (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
III – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
III-A – a atenção integral às mulheres com câncer do colo uterino, de mama e colorretal, com estratégia ampla de rastreamento; (Incluído pela Lei nº 14.335, de 2022)
IV – o encaminhamento a serviços de maior complexidade para a complementação de diagnóstico, tratamento ou seguimento pós-tratamento sempre que a unidade que prestou o atendimento ou diagnóstico não dispuser de condições para fazê-lo; (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
V – os exames subsequentes, segundo a periodicidade e as recomendações indicadas em regulamentação; (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
VI – (revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
§ 1º Os exames citopatológicos do colo uterino, mamográficos e de colonoscopia poderão ser complementados ou substituídos por outros sempre que solicitado pelo médico responsável. (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
§ 2º Às mulheres com deficiência e às mulheres idosas serão garantidos as condições e os equipamentos adequados que lhes assegurem o atendimento integral na prevenção e no tratamento dos cânceres do colo uterino, de mama ou colorretal. (Redação dada pela Lei nº 14.335, de 2022)
(…)”
Contudo, em muitos casos, tanto no que diz respeito à qualidade quanto à contemporaneidade necessária, o atendimento das mulheres é deficiente em razão da alta demanda pelos serviços do SUS, e o tratamento para o câncer acaba sendo mais invasivo e com menor probabilidade de cura.
Na tentativa de estabelecer prazos adequados para o diagnóstico e início de tratamento, foi promulgada a Lei Federal nº 12.732/2012, com a redação dada pela Lei Federal nº 13.896/2019, que preve:
“Art. 2º O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único.
(…)
§ 2º Os pacientes acometidos por manifestações dolorosas consequentes de neoplasia maligna terão tratamento privilegiado e gratuito, quanto ao acesso às prescrições e dispensação de analgésicos opiáceos ou correlatos.
§ 3º Nos casos em que a principal hipótese diagnóstica seja a de neoplasia maligna, os exames necessários à elucidação devem ser realizados no prazo máximo de 30 (trinta) dias, mediante solicitação fundamentada do médico responsável.”
Vejamos, portanto, que, para além de estabelecer prazo máximo de 30 (trinta) dias para realização de exames diagnósticos do câncer e início de tratamento em até 60 (sessenta) dias do laudo patológico, previu que o início do tratamento deve ocorrer em prazo menor em razão da gravidade da situação do paciente.
Contudo, em muitos casos em que se requer que o tratamento seja iniciado IMEDIATAMENTE, as autoridades públicas competentes ainda protelam o início do tratamento, podendo o quadro de saúde do paciente se agravar, diminuindo, portanto, as chances de cura.
Nesses casos, portanto, resta evidente que deve ser buscada a tutela jurisdicional, no qual poder-se-á pleitear a tutela de urgência necessária para a efetivação plena do referido direito à saúde.
O CNJ já se pronunciou sobre a necessidade de observação da condição clínica do demandante para concessão da tutela de urgência. Vejamos:
ENUNCIADO Nº 92 Na avaliação de pedido de tutela de urgência, é recomendável levar em consideração não apenas a indicação do caráter urgente ou eletivo do procedimento, mas também o conjunto da condição clínica do demandante, bem como as repercussões negativas do longo tempo de espera para a saúde e bem-estar do paciente.
Em situações como as aqui narradas, já decidiu o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“RECURSO OFICIAL. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO ONCOLÓGICO. Paciente portadora de carcinoma mamário invasivo direito grau III. Pretensão ao início imediato do tratamento oncológico fornecido pela rede Hebe Camargo (CROSS) em virtude da gravidade do caso e em atenção ao prazo de 60 (sessenta) dias após confirmação do diagnóstico preconizado pelo art. 2º da Lei Federal nº 12.732/2012. Segurança concedida na origem. 1) Mérito. Dever constitucional do Estado de garantir a saúde de todos os cidadãos, nos termos do art. 196, da Constituição Federal. Desenvolvimento da atividade jurisdicional que não expressa ingerência indevida na área de competência do Poder Executivo. Inaplicabilidade do princípio da reserva do possível. 2) Astreintes. Arbitramento de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), limitada a 30 (trinta) dias, em sede de r. decisão interlocutória concessiva da liminar, transmudada definitiva com a superveniência de entrega da prestação jurisdicional favorável à impetrante. Impossibilidade. Prevalece nesta C. Câmara a orientação no sentido de ser descabida a fixação de astreintes em mandado de segurança sob o fundamento de que o descumprimento da ordem judicial pode sujeitar a autoridade ao crime de desobediência, nos termos do art. 26, da Lei nº 12.016/09. Sentença concessiva da segurança mantida. Recurso oficial parcialmente provido apenas para afastar a multa diária. Recurso voluntário da FESP desprovido, no mérito.” (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1007783-47.2021.8.26.0533; Relator (a): Djalma Lofrano Filho; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Santa Bárbara d’Oeste – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/08/2022; Data de Registro: 16/08/2022)
E, ainda, em relação a outros tipos de câncer, o direito ao diagnóstico e tratamento precoce estabelecido pela Lei 12.732/2012 é o mesmo. Vejamos:
“Agravo de instrumento. Direito à saúde. Pretensão do agravante ao início imediato do tratamento de metástase de carcinoma, compatível com origem tireoidiana. Cabimento. Direito público subjetivo do agravante de ser submetido ao efetivo tratamento dentro do prazo estabelecido na Lei nº 12.732/2012. Tratamento que se inicia com a realização de cirurgia ou com o início da radioterapia ou quimioterapia. Necessidade e urgência demonstradas. Recurso provido.” (TJSP; Agravo de Instrumento 0101476-47.2023.8.26.9000; Relator (a): Márcia Helena Bosch; Órgão Julgador: 3ª Turma – Fazenda Pública; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 4ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital; Data do Julgamento: 28/07/2023; Data de Registro: 28/07/2023)
“Agravo de Instrumento. Obrigação de fazer. Insurreição contra decisão que antecipou os efeitos da tutela. Tratamento oncológico. Responsabilidade do Estado. Solidariedade dos entes federados. Tema 793. Repercussão geral. Cumprimento da obrigação conforme regras de repartição de competências. Imposição de multa diária. Admissibilidade. Preenchimento dos requisitos do artigo 273, do Código de Processo Civil. Limitação da multa. Regularidade. Mantém decisão agravada. Recurso não provido” (TJSP; Agravo de Instrumento 3000007-86.2021.8.26.9060; Relator (a): Luciene Belan Ferreira Allemand; Órgão Julgador: 2ª Turma Cível e Criminal; Foro de Guaratinguetá – Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 14/09/2021; Data de Registro: 14/09/2021)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tratamento quimioterápico. Requisitos autorizadores da tutela de urgência devidamente comprovados pelo agravante. Irresignação da Fazenda do Estado. Solidariedade entre os entes federativos para as ações de saúde. Competência da Justiça Estadual configurada. Desnecessidade de inclusão da União no polo passivo. Inteligência da tese fixada no Tema 793 do C. STF de Repercussão Geral. Prazo razoável para cumprimento da liminar, dada a urgência do caso. Decisão mantida. Recurso não provido.” (TJSP; Agravo de Instrumento 3000015-62.2021.8.26.9028; Relator (a): Cássio Mahuad; Órgão Julgador: 3ª Turma Cível e Criminal; Foro de Indaiatuba – Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 25/05/2021; Data de Registro: 25/05/2021)
Desta forma, em que pese as críticas crescentes à chamada “judicialização da saúde”, as pessoas acometidas com tal enfermidade possuem direito subjetivo ao diagnóstico e tratamento gratuito e precoce, que devem ser feitos de forma temporânea e adequada, tendo o Poder Judiciário atuado eficientemente na garantia dos direito à saúde constitucionalmente previsto a todos os brasileiros que a ele recorrem.
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