O financiamento imobiliário e o mercado de imóveis “na planta” tiveram um aumento significativo nas últimas décadas em razão, entre outras, do incentivo estatal para esse tipo de aquisição, facilitando a concessão de crédito aos consumidores e benefícios às incorporadoras e construtoras.
As incorporadoras e/ou construtoras, entre outras obrigações, devem estipular data para entrega de tais imóveis aos consumidores, podendo incluir prazo de tolerância de até 180 (cento e oitenta) dias para a efetiva entrega. Contudo, tais estipulações devem ser claras, expressas e inteligíveis, para que o consumidor tenha a real expectativa de quando entrará na posse do imóvel adquirido. A Súmula 164 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já consolidava o referido entendimento do judiciário paulista desde 2016, sendo reafirmado com a edição da Tese 01, do Tema 04 do IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) nº 0023203-35.2016.8.26.0000, em 31/08/2017.
Após tal data, houve a promulgação da Lei nº 13.786, em 27/12/2018, que incluiu o artigo 43-A na Lei das Incorporações Imobiliárias, na tentativa de regulamentar as penalidades para adquirente e incorporadora quando houver o atraso na entrega das obras. Por sua vez, o § 2º do referido artigo prevê que:
“§ 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.”
Ocorre que a Tese 05, do Tema 04 do IRDR nº 0023203-35.2016.8.26.0000, firmada pelo TJSP, que reflete a jurisprudência consolidada do STJ, já previa também que:
“O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada.“
Tal tese também foi submetida à apreciação do STJ, em especial em razão dos contratos de financiamento firmados no Programa Minha Casa Minha Vida nas faixas 1,5, 2 e 3, havendo reafirmação, pelo Tema 996, em 27/09/2019, de que:
“RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS.
1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:
1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.
1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.
1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.
1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.
2. Recursos especiais desprovidos.” (REsp n. 1.729.593/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 25/9/2019, DJe de 27/9/2019.) (grifo nosso)
Portanto, o entendimento é de que, excedendo o prazo de entrega do imóvel, bem como o de tolerância, o comprador tem direito a receber os lucros cessantes, sendo que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem entendido que eles devem corresponder a 0,5% sobre o valor atualizado do imóvel/contrato por mês. Vejamos:
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. CULPA DA VENDEDORA. Ação ajuizada pelo adquirente em face da vendedora, pretendendo o recebimento de lucros cessantes e danos morais em razão de atraso na entrega do imóvel. Sentença de parcial procedência. Apelo dos autores. Responsabilidade da requerida pelo atraso na entrega das obras. Lucros cessantes devidos. Cláusula contratual de tolerância com prazo adicional de 180 dias. Ausência de abusividade. Súmula nº 164 do E. TJSP. Correta a aplicação do prazo adicional de 180 dias no cômputo dos lucros cessantes. Aluguéis indenizatórios fixados no percentual de 0,5% sobre o valor atualizado dos contratos. Adequação à realidade locatícia dos imóveis na atualidade. Precedentes em casos semelhantes. Danos morais. Não ocorrência. Ausência de situação excepcional que ultrapasse o mero inadimplemento contratual. Indenização por lucros cessantes que se mostra suficiente para reparar os prejuízos experimentados pelos autores. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1009967-96.2021.8.26.0008; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2023; Data de Registro: 30/01/2023) (grifo nosso)
Inclusive, o entendimento recentíssimo do TJSP é de que, para contagem do prazo de tolerância, considera-se o previsto no compromisso de compra e venda, e não o do contrato de financiamento. Vejamos:
“Compromisso de compra e venda. Imóvel em construção. Atraso na entrega. Prevalecimento do prazo previsto no instrumento de promessa diante daquele estimado no contrato de financiamento. Excludente de responsabilidade incabível. Lucros cessantes presumidos. Ressarcimento devido pelos juros de obra incidentes no período de mora. Teses firmadas pelo STJ (Tema 996). Dano moral configurado. Excessivo atraso. Quantum da indenização mantido. Recurso improvido.” (TJSP; Apelação Cível 1009318-29.2020.8.26.0506; Relator (a): Augusto Rezende; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2023; Data de Registro: 30/01/2023)
Neste recente julgado, inclusive, houve manutenção da sentença que condenou a construtora ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de indenização por danos morais aos consumidores, tendo em vista que o atraso na obra de quase 2 (dois) anos foi considerado excessivo.
Atentemo-nos que o entendimento em questão também é aplicado ao caso de atraso na entrega de terrenos, conforme também já se manifestou o TJSP:
“Apelação cível. Ação declaratória c.c. indenização. Atraso na entrega do lote. Tema 996 do C. STJ. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância, desde que expresso. A cláusula 1.6.1 do contrato prevê que o prazo para conclusão das obras e consequentemente a entrega do lote seria de 24 meses, a partir do registro do loteamento perante o Registro de imóveis. A obra somente pode ser considerada concluída após a emissão de Termo de Vistoria final. Portanto, não se pode considerar a data da emissão de TVO parcial como termo inicial para a fixação de indenização por lucros cessantes, porque as obras de infraestrutura não estavam concluídas. O atraso na entrega do imóvel é incontroverso. Configurado o inadimplemento das rés, cabível a condenação ao pagamento de indenização por lucros cessantes. Desnecessária a prova do prejuízo suportado pelos autores, que é presumido, nos termos da Súmula 162 do STJ. Apelo desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1006380-19.2020.8.26.0229; Relator (a): Silvério da Silva; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Hortolândia – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/01/2023; Data de Registro: 17/01/2023)
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