O STJ já firmou entendimento de que “meros dissabores normais e próprios do convívio social não são suficientes para originar danos morais indenizáveis.”
Contudo, a distinção das situações que caracterizam “meros dissabores” das que afetam a honra ou imagem da pessoa, a ponto de causar angústia e humilhação, caracterizando dano moral indenizável, é realizada caso a caso pelos juízes a quais são submetidas.
E, para tanto, é muito importante o trabalho dos advogados das partes nesses casos. Além de uma boa narrativa, é imprescindível que haja a produção de provas hábeis a demonstrar e convencer o juiz da ocorrência (ou não) do dano extrapatrimonial e que este não se trata apenas de mero dissabor. O processo deve estar bem instruído pois, entre outros, o processo civil é regido pelo princípio da verdade formal, que pode ser traduzido pelo brocardo segundo o qual “o que não está nos autos não está no mundo”.
Diferentemente, nas situações nas quais é reconhecido o dano moral puro (in re ipsa), basta a prova da ocorrência do fato para a caracterização do dano moral, ou seja, há presunção da produção do dano em razões das peculiaridades daquela situação já reconhecidas pela jurisprudência.
Neste sentido, salvo nos casos em que há dano moral puro, a ocorrência do dano moral deve ser provada para que seja reconhecido o direito à indenização.
Além disso, muitos fatores pessoais e ambientais podem alterar a percepção pessoal de um juiz quanto a determinada situação experimentada pelas partes, o que produz julgamentos diferentes, em situações idênticas. E o duplo grau de jurisdição, entre outras, tem a função de propiciar o novo julgamento por outros magistrados, reunidos em colegiado, que poderão confirmar aquele entendimento ou reformá-lo parcial ou totalmente segundo as suas percepções sobre aquela situação.
E, no que diz respeito ao atraso na entrega de produtos nas relações de consumo, é possível vislumbrar várias situações nas quais houve (ou não) o reconhecimento da ocorrência de dano moral indenizável.
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recurso inominado, reconheceu a existência de dano moral por atraso em mais de 90 (noventa) dias na entrega de uma máquina de lavar roupas para a consumidora, sob o fundamento que se tratava de um bem essencial e que a parte teve que comprometer grande parte de seu tempo para solucionar impasses a que não deu causa. Vejamos:
“APELAÇÃO. COMPRA E VENDA. MÁQUINA DE LAVAR ROUPAS. Atraso na entrega superior a 90 dias que ensejou a rescisão do contrato. DANOS MORAIS. Ocorrência. Violação contratual que extrapolou os limites do mero aborrecimento. Condenação fixada em R$ 3.000,00. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1001992-82.2022.8.26.0268; Relator (a): Rosangela Telles; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapecerica da Serra – 2ª Vara; Data do Julgamento: 24/01/2023; Data de Registro: 24/01/2023)

Em outro caso, a sentença de primeira instância também reconheceu a ocorrência de dano moral quando houve o atraso de 18 dias para a entrega de um fogão de seis bocas, sob o fundamento de que os fatos levados à apreciação judicial, além de não terem sido impugnados, eram “simplesmente lamentáveis, revelando todo o descaso de dois maus fornecedores, que por conta de sua recalcitrância, submeteram a sua consumidora a toda sorte de transtornos, irritações, perda de tempo e frustrações.”. Após recurso inominado, a sentença foi confirmada, apenas com a redução do valor arbitrado a título de danos morais. Vejamos:
“Recurso Inominado – Ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais – Falha na prestação de serviços – Venda de produto pela internet – legitimidade passiva das recorrentes – ambas empresas que participaram da cadeia de prestação de serviços e se responsabilizam solidariamente pelas ofertas que expõe – cliente que pagou regularmente o valor, mas não recebeu o produto no prazo firmado, perda de tempo útil e descaso na tentativa de solução da falha e efetiva entrega do produto, impondo ao consumidor, após frustradas tentativas de resolução administrativa, o ônus de ingressar com demanda judicial – evidente configuração de danos morais – valor arbitrado excessivo – redução do valor para R$ 3.000,00 – Recurso parcialmente provido – Sentença reformada apenas para redução do valor da indenização.” (TJSP; Recurso Inominado Cível 1001487-60.2020.8.26.0495; Relator (a): Leonardo Prazeres da Silva; Órgão Julgador: 1ª Turma Cível e Criminal; Foro de Registro – Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 10/02/2023; Data de Registro: 13/02/2023)

Reformando a sentença de primeira instância que não reconheceu a ocorrência de danos morais pelo atraso por mais de 2 meses de produtos esportivos, a 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou o fornecedor ao pagamento da indenização pleiteada pelo dano extrapatrimonial tendo em vista a caracterização de perda de tempo útil:
“Apelação cível – ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais – desfecho, na origem, de parcial procedência – inconformismo da autora – danos morais evidenciados – perda de tempo útil caracterizada – reparatória fixada em R$ 7.000,00 (sete mil reais) – verba honorária – pretensão de arbitramento por equidade – descabimento – manejo das diretrizes informadas pelo artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil – sentença reformada – recurso parcialmente provido.” (TJSP; Apelação Cível 1000331-83.2021.8.26.0533; Relator (a): João Baptista Galhardo Júnior; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Bárbara d’Oeste – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/08/2022; Data de Registro: 19/08/2022)
Todavia, também em recente decisão, já houve entendimento em sentido contrário, sob fundamento, entre outros, de que não teria sido comprovado nos autos que a parte teria “vivenciado verdadeiro calvário para a solução do problema. Não se trata, portanto, de hipótese em que o consumidor, para resolução da questão, teve de despender tempo e energia consideráveis, circunstância que impossibilita a aplicação da invocada teoria do ‘Desvio Produtivo do Consumidor’”. Vejamos:
“BEM MÓVEL. COMPRA E VENDA DE ARRANJO DE FLORES. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRODUTO NÃO ENTREGUE. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. Não se tratando de situação em que o dano moral se presume “in re ipsa”, faz-se necessária a demonstração efetiva de sua ocorrência para justificar o reconhecimento do direito à reparação. No caso, os transtornos vividos pelo autor não chegaram a caracterizar verdadeira situação de dano moral, o que afasta a possibilidade de cogitar de reparação nesse aspecto.” (TJSP; Apelação Cível 1002806-07.2022.8.26.0006; Relator (a): Antonio Rigolin; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VI – Penha de França – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2023; Data de Registro: 06/02/2023)

Diante do exposto, resta claro que a análise da situação concreta e das possibilidades de êxito e dos riscos de eventual ingresso com ação judicial deve ser realizada por profissional qualificado, haja vista a possibilidade de entendimentos divergentes.
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